A partir desse artigo foi criado um fórum de discussões para a preservação do Cabo Branco onde o 1º ato foi embargar a construção do complexo Niemeyer e depois o Flat que ficaria onde era o antigo restaurante Marina's.
Houve também vários debates na câmara dos vereadores da cidade e outro organizado por mim no UNIPÊ no dia 13/10/2005 com a ajuda do D.A do curso de Arquitetura e Urbanismo do UNIPÊ onde estavam presentes na mesa redonda 3 representantes da PMJP, Sônia Matos representando a SUDEMA, Reginaldo Marinho, Antônio Augusto (secretário da SEMAM), Vereadora e ambientalista Paula Frassinete e presidindo a mesa a Arquiteta Sandra Ortegosa.
A presença de vários outros profissionais de arquitetura, geografia, ambientalistas estiveram no debate, tendo como destaque o arquiteto Fábio Galiza (presidente do IAB-PB), o arquiteto e professor Oliveira Júnior que me deu apoio com as críticas ao projeto de Niemeyer e colocou em voga diversos questionamentos em relação ao benefício que tal projeto viria a trazer para a população de João Pessoa e da Paraíba.
Este meu artigo ainda foi publicado na revista virtual Vitruvius, o maior site sobre artigos de arquitetura do Brasil, e na revista trimestral paraibana Artestudio.
Abaixo está o artigo e logo após está uma carta que recebi do arquiteto de renome nacional Sylvio de Podestá:
Antes de qualquer leitura devo ressaltar que este artigo foi feito em Agosto de 2005, e depois de todos os debates, todas as entrevistas que fiz posteriores ao artigo me fez refletir sobre vários aspectos ditos no artigo. Não que eu tenha mudado meu modo de pensar ao que você irá ler abaixo, mas se eu tivesse que fazer outro artigo sobre este tema ele teria 4 vezes o tamanho do original, pois eu teria bem mais argumentos para provar o que estou dizendo.
Projeto de Oscar Niemeyer para João Pessoa. Turismo e degradação da paisagem natural
Arthur Marcel Brasileiro Guimarães
Um dia destes recebi um e-mail com um texto da Internet que dizia o seguinte:
“Obra de Niemeyer na Capital
João Pessoa já uma das cidades de mais acesso turístico do Nordeste. E para comemorar os seus 420 anos Ricardo Coutinho apresentou hoje à população um projeto criado por Oscar Niemeyer voltado para a cultura e arte que poderá colocar nossa cidade num patamar mais alto ainda.
Se isso acontecer vai ser muito bom para a cidade! Ricardo Coutinho está melhorando e inovando toda a Av. Beira Rio, disse que vai secar e limpar a lagoa e vai fazer muito mais.
Pra quem não sabe Niemeyer é considerado o melhor arquiteto do Brasil, o projeto de Brasília tem sua assinatura bem como outras obras belíssimas!”
Mas a realidade não se resume a isto e outros fatos precisariam ser discutidos para se ter uma opinião mais balizada da conveniência ou na do projeto.
Ricardo Coutinho, em sua campanha eleitoral, mereceu o apoio de arquitetos e urbanistas por apoiar reivindicações legítimas, como é o caso da não implantação dos espigões na orla marítima de João Pessoa e de todo o Estado da Paraíba, e da realização de concursos públicos para projetos de grandes obras urbanas.
Após sua eleição, isso tudo mudou! E agora Ricardo Coutinho quer construir um conjunto enorme de edificações, justamente na área de maior risco de extinção no litoral paraibano: a falésia do Cabo Branco.
A vereadora Paula Francinete – defensora do meio ambiente e que se colocou contra a implantação de um flat próximo ao restaurante Marinas, na gestão Cícero Lucena devido sua localização – tem alertado sobre os riscos ambientais provenientes da erosão naquela área. Como é possível aprovar um “homicídio” de uma das áreas de maior interesse em toda a Paraíba?
Ainda com relação ao fator ambiental, como se pode construir um complexo de 5.000 m² na barreira do Cabo Branco, uma falésia viva em processo contínuo de modificação devido ao processo natural de erosão? Vale salientar ainda que não existe solução para tal impacto.
Outro fato que temos que levar em consideração é que as obras de Oscar Niemeyer são muito pesadas, com uso intensivo de concreto armado, que no meu ponto de vista não é o material mais indicado, pois as fundações de edificações deste porte precisam em geral ser profundas, o que poderia agravar violentamente a degradação da área. Além disso, o uso de materiais como o concreto armado e o vidro é totalmente contra-indicado devido às características climáticas do Nordeste.
Em termos turísticos, concordo que esse empreendimento seria mais um atrativo para a cidade, mas existe um outro fator a ser considerado que é o fluxo viário na área. Se o projeto for realizado e os turistas começarem a chegar de todas as partes, a freqüência de automóveis irá aumentar e isto poderá acelerar o processo de degradação da barreira.
Quem sou eu para desmerecer o maior arquiteto do Brasil e a equipe de arquitetos, que devem ter sido escolhidos a dedo pelo próprio Niemeyer, mas penso que deveria ser realizado um concurso público nacional, ou até mesmo internacional, onde Niemeyer também participasse. Isso poderia estimular ainda mais o marketing turístico da área que é o "Ponto mais Oriental das Américas", trazendo arquitetos de renome nacional e até mesmo internacional que estivessem interessados em desenvolver projetos para essa área, do que simplesmente convidar Niemeyer (por causa da grife que se tornou seu nome), tirando a chance de muitos arquitetos bons do Nordeste revelarem seus talentos.
O prefeito Ricardo Coutinho deveria levar em consideração tais questões, pois ainda está em tempo do projeto ser reavaliado, formando-se uma equipe de profissionais (que conheçam os problemas de nossa cidade) de todas as áreas envolvidas direto e indiretamente em um empreendimento deste tipo– arquitetos, urbanistas, ambientalistas, geógrafos, etc.
Além disso, já existe uma área que poderia ser destinada ao programa da "Estação Ciência, Cultura e Artes", que seria a fábrica Matarazzo, local que está desativado há vários anos e à qual ninguém dá valor, mas que representa um importante período da industrialização de nossa cidade. Trata-se de um importante patrimônio histórico que poderia ser restaurado e reciclado para instalação desse programa, a exemplo do projeto de Lina Bo Bardi para a fábrica SESC Pompéia.
Não é minha intenção desmerecer o prefeito e sua equipe, todos seguramente movidos por boas intenções. Mas ele deve ser esclarecido dos imprevistos que podem inviabilizar a obra. Mas a solução para os problemas de nossa cidade não é apenas criticar o que o governo está fazendo ou deixando de fazer, mas avaliar o que deve ser feito ou não, de acordo com as necessidades da população. E esta obra, por mais importante que seja para nossa cidade, não deveria ser realizada tendo-se em vista as conseqüências ruins que ela pode nos trazer, especialmente no que se refere ao impacto ambiental sobre a barreira do Cabo Branco.
Arthur Marcel Brasileiro Guimarães é aluno do 7º período de Arquitetura e Urbanismo da UNIPÊ, João Pessoa PB
Legenda
Estação Ciência, Cultura e Artes, João Pessoa. Projeto de Oscar Niemeyer. Fonte: www.joaopessoa.pb.gov.br/projetos/estacaocienciaculturaartes/
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Carta de Sylvio Podestá para mim após ter lido meu artigo encaminhado pela professora e arquiteta Sandra Ortegosa:
Prezada Sandra,
Finalmente chegou o texto do Arthur Brasileiro e paraibano.
Começando pelo fim, ainda temos que duvidar muito e sempre da boa intenção dos nossos políticos até prova em contrário.
Já tivemos a fase fonte luminosa, tivemos a fase "ão", Mineirão, Castelão (não sei se aí também o estádio é ão, deve ser) que previa capacidades estrondosas para abrigar nossos incríveis times e suas torcidas fabulosas, uma vez por semana se tanto, tendo sua sobrevivência garantida por shows de rock, sertanejos, xuxas e igrejas de modo geral, quando não serviram para reprimir nossas ligas camponesas ou nosso alunos de 7o. período por exemplo. Sucateados e fora de normas de segurança, nossas arenas "ão" são monumentos ao nosso planejamento estratégico.
Depois as grandes vias expressas como o café a 2,50, marginais como nossas periferias, com viadutos e "trincheiras" numa apologia à engenharia de tráfego em detrimento a qualidade das áreas remanescente que como o cavalo de Átila onde são implantadas não nascem mais flores e sim atropelamentos ou passarelas ou mesmos quebra-molas para nossas cherokees que conduzem apenas um passageiro protegido por vidros negros.
A fase shopping center completa o impacto causado por estas vias, plantando estacionamentos desérticos e fachadas internacionais.
Temos também a fase recuperação dos centros históricos que sem políticas complementares não passam de projetos de pintura (alguns patrocinados pelas fábricas de tinta) sem nenhum apoio logístico ao uso sustentável e logo a história volta a ser meramente objetos em decadência.
A fase "queremos que você traga sua indústria para cá" com isenção de impostos por x anos quebrou muitas industrias complementares que se instalaram para compor o famoso "just in time" e com a desativação da montadora foram para o brejo.
Saturados de tantos desacertos vimos acontecer um fenômeno positivo que é a cobrança das associações, grupos organizados e outros por saneamento básico. Dinheiro barato e único que anda rolando com certa facilidade para nossos medíocres governos fica esmaecida por trás de uma atuação forçada pelas circunstâncias e que, por sorte, vem trazendo um início de qualidade de vida para algumas populações.
Com esta visibilidade nossos governantes se vestem de mecenas e resolvem investir na cultura e dentre elas, pertencer ao Circuito Niemeyer independentemente das necessidades e questões que há muito se discutem universidades, arquitetos e urbanistas, ecólogos, sociólogos dentre outros para embasar a ação de nossas sofridas câmaras estaduais e municipais.
Com a autoridade que não lhes foi concedida e com o aval de uma "grife" como disse o Arthur, convoca rapidamente o intocável, o "cala boca", o onipresente arquiteto nacional para, antes que morra, conceber mais uma de suas imortais criações. Esta unanimidade pode vir a contribuir para a visibilidade procurada mas é também maléfica quando o resultado não contempla a cultura física, histórica e cultural do lugar, causando mais prejuízo do que alegria e a satisfação que uma obra consequente pode trazer a uma população que a muito luta por direitos e tem feito conquistas significativas como por exemplo a questão da orla.
Sou contra, e por isso muito criticado, a esta displicência do nosso mais consagrado mestre em estar dando aval ao que não sabe, não vive e portanto não consegue perceber que além de estar cometendo uma espécie de crime pela inconveniência do tipo de implantação, materiais e a inevitável e custosa manutenção de um objeto arquitetônico que não suporta nem a mínima análise contextual ou construtiva.
Em processo de licitação, critico também a frágil e inconsequente postura dos nossos políticos, herdeiros da nossa famigerada oligarquia governamental, atrasada na sua concepção política, na percepção das vontades do povo e, mais, certos da sua impunidade.
Acho que o Arthur, brasileiro e paraibano, começa bem, com senso crítico, sem ferir éticas mais com a clareza de quem vê alguns caminhos serem interrompidos por motivos menores.
Horrorizo-me com a possibilidade do prefeito dizer que é com a construção do centro terá criado uma quantidade x de novos empregos e isto é verdade: só para limpar aqueles vidros da maresia, pintar o volume branco do teatro todo fim de ano e limpar o laguinho, boa parte do desemprego de John People estará resolvido.
Um abração de
Sylvio de Podestá para
Arthur Marcel Brasileiro Guimarães, aluno do 7º período de Arquitetura e Urbanismo da UNIPÊ.
Belo Horizonte, 28 de agosto de 2005.
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